29/05/2025
Autora: Carolina Alves de Almeida Silva
Autor: Paulo Augusto da Silva
Data de produção:
Tem sido frequentes ações de indenização por dano moral pelo fato de clientes terem sido abordadas por seguranças de lojas, com a suspeita de cometimento de furto. A discussão gira em torno do direito à propriedade versus o direito à imagem e outros decorrentes do direito da personalidade.
Utilizaremos o exemplo paradigmático da pessoa que suspostamente furtou um objeto da loja e foi abordada pelo segurança ao sair do estabelecimento. Ressalta-se, no entanto, que faremos uma análise por um vetor pouco explorado, qual seja, o Direito Penal.
O poder de polícia é descrito no artigo 78 do Código Tributário Nacional é adstrito ao Estado, podendo ser delegada a pessoa jurídica de direito privado que preste serviço de atuação própria dele. Assim, a fiscalização de polícia, in casu, especificamente a atuação de polícia judiciária, não pode ser efetuada pelos seguranças da loja.
De pronto se verifica que a prática de abordar um cliente que supostamente praticou um delito de furto no interior da loja, conduzi-lo para um local reservado e procede-lo à revista, não é um estrito cumprimento de um dever legal (ausência de poder de polícia) e tampouco exercício regular de um direito.
Veja que essa atuação se afigura como crime de exercício arbitrário das próprias razões ou o de constrangimento ilegal, contidos nos artigos 345 e 146 do Código Penal. Nesse último, é preciso haver a violência ou grave ameaça à pessoa, em caso de haver cerceamento da liberdade da vítima, v.g.
De todo modo, pode ser afastada a ilegalidade na conduta do segurança, em caso de flagrante delito. Mesmo que ele não detenha o poder de polícia conforme mencionado, qualquer do povo pode prender a pessoa que está praticando um delito, com fulcro no artigo 301 do Código de Processo Penal.
Noutro giro, a prisão em flagrante delito é uma possibilidade de o segurança deter o suspeito de ter cometido o crime, ainda que não possua poder de polícia. Todavia, o crime impossível, por ineficácia absoluta do meio, pode não só afastar a prisão em flagrante, como também o cometimento do delito em si.
É sabido que o iter criminis, caminho do crime, tem as fases da cognição, atos preparatórios, execução e consumação. Em uma loja que possua seguranças munidos de comunicação via rádio, de monitoramento em tempo real, a consumação delitiva resta-se impossível.
Imaginemos o seguinte exemplo: João, criminoso habitual, adentra a determinada loja com vistas a subtrair determinado produto. Caminha pelos corredores da loja, demonstrando interesse em alguns produtos e se comportando como um cliente comum. Ao encontrar o produto de seu interesse, rapidamente o coloca em sua mochila e começa a caminhar em direção a saída da loja. Nesse momento é abordado pelo segurança José, que o manda abrir a bolsa e devolver o produto furtado.
Veja que esse pode ser um exemplo do cotidiano, contudo, há alguns detalhes sobremodo importantes. Ao adentrar na citada loja, João despertou o interesse da equipe de segurança, e eles passaram a acompanhá-lo, tanto via câmeras de monitoramento, quanto a certa distância. O segurança que o está monitorando pelas imagens, aciona seu colega de trabalho que está próximo de João, e ambos, veem quando ele se prepara para cometer o furto.
O crime cometido por João, poderia ter sido evitado a qualquer momento. Ocorre que a equipe de segurança esperou que ele furtasse o produto para abordá-lo na saída da loja. Note que esse é um típico caso de crime impossível. Era impossível a João furtar qualquer produto daquela loja, por ineficácia absoluta do meio.
Em sendo relativa a ineficácia do meio, a consumação delitiva persiste e a prisão em flagrante do autor é legalmente possível. No entanto, ao se abordar a pessoa pratica-se um fato típico, qual seja, restrição de liberdade, mas, deve-se haver a consciência de estar agindo em exercício regular de direito, hipótese de excludente de ilicitude.
Assim, a equipe de segurança não pode contar com a “sorte”, de meramente suspeitar de que o indivíduo tenha cometido o delito e encontre a res em seu poder. Nesse sentido, é preciso que o segurança tenha animus de agir em exercício regular de um direito, não podendo abordar pessoas por amostragem.
O segurança, portanto, não vai abordar a pessoa por desconfiar dela e eventualmente encontra a res furtiva. Ele deve efetuar a prisão por tê-la flagrado na prática de um crime. São situações acentuadamente diferentes.
Mesmo que a prisão, no caso em comento, seja legal, há uma linha tênue entre a ilegalidade da abordagem (pela ausência de poder de polícia), o crime impossível e a prisão em flagrante.
Além de possíveis repercussões em outras searas do direito, em um juízo objetivo de razoabilidade, presume-se ser mais prudente evitar tal abordagem, uma vez que o patrimônio da loja continuará sendo protegido.
O tipo penal do furto, usado no exemplo paradigmático, continuará incidindo e ensejando responsabilidade penal, malgrado não tenha sido efetuada a prisão no local dos fatos e apreensão e recuperação da res furtiva.
Esse imediatismo, se açodado, pode transcender e trazer resultados indesejáveis. No mais das vezes, essas lojas ficam em shoppings centers, que também possuem equipes de segurança. Note que há todo um aparato de proteção patrimonial, tanto da loja quanto do shopping em si.
Em havendo a flagrância do crime, ou seja, tendo certeza da consumação delitiva, proceder a abordagem será penalmente seguro. Não é amiúde comentar que o juízo de conveniência e oportunidade é salutar, mesmo no caso de atuação de servidores da segurança pública.
Há de se conhecer o direito e contribuir para a o seu cumprimento, fato que não obsta a proteção do patrimônio do empregador. A decisão a ser tomada, qual seja ela, deve sempre ser orientada por um juízo de razoabilidade e de mitigação do dano.
Afinal, mesmo por um fator matematicamente objetivo, não é razoável o empregador ter que indenizar por dano moral um cliente no valor de cinco mil reais (valor médio de indenização por dano moral), em face de um suposto furto cometido de um produto de valor inferior (sem prejuízo das consequências penais aqui elencadas).
Assim, a ponderação de direitos e valores devem orientar faticamente a decisão do segurança na questão da abordagem de pessoa suspeita de ter cometido furto no interior da loja. Ademais, o Direito Penal traz contribuição significativa e preponderante nessa discussão, sem prejuízo da devida actio civilis ex delicto.
Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da AASP .
Carolina Alves de Almeida Silva
Minibio
Graduada em Direito pela Faculdade Newton Paiva (Belo Horizonte). Advogada
Paulo Augusto da Silva
Minibio
Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo – Presidente Prudente-SP; mestrando em direito pela Fadisp- São Paulo.