04/06/2025
Autor: Paulo Augusto da Silva
Autora: Vanessa Regina Andreatta
Data de produção: 31 de maio de 2025
A obra de Hobbes é interessantíssima e dela se extrai diversas lições preciosas, especialmente em sede de Direito Penal. A principal, sem dúvidas, é a contribuição para a compreensão entre a diferença entre o dolo natural e o dollus malus.
O dolo natural é defendido pela teoria da ação finalista, cuja ação é voltada para um fim, orientada pela vontade reitora. Já o dolus mallus, fruto da ação causal naturalista, seria a vontade de fazer o que é mal.
A diferença, do ponto de vista de um conceito analítico de crime, é clara. A teoria da ação causal entende a ação como mecânica, um movimento causal, e o dolo integra a culpabilidade. O dolo natural, por sua vez, integra a ação finalista.
Thomas Hobbes quando diz que o homem age em seu benefício próprio e essa ação voluntária é razoável, está apenas analisando a conduta humana com base em sua vontade. É certo que conclui que isso é fruto da razão, ou seja, o homem é racional por natureza (o homem é o lobo do próprio homem).
Questões de ordem moral, certo ou errado, ou a confusão entre crime e pecado, próprio do direito canônico, não orientam a perspectiva hobbesiana. E nesse sentido, a contribuição dele é clara. O dolo natural verifica apenas a vontade humana, ou a ação voluntária orientada por sua vontade.
Outra questão interessante é o que a doutrina penal chama de legítima defesa ofensiva. Ela é o repelimento da agressão injusta, atual ou eminente, numa postura de ataque, desferindo golpes ou se valendo de outro meio propositivo, com o fim de cessá-la. É certo que far-se-á uma verificação sobre a proporcionalidade dos meios empregados.
Hobbes considera que todos os homens são iguais, em suas paixões e vontades, e todos querem a mesma coisa. Ele sabe que será atacado, uma vez que é razoável fazê-lo, para não sentir dor em seu corpo e até para preservar a sua vida. Ele chama isso de antecipação.
O homem ataca não por ser mau por natureza e sim por ser racional por natureza. Ele é o lobo do homem por uma questão de defesa e de sobrevivência, sendo isso muito razoável.
O ponto de confluência aqui é que o fim colimado é a defesa. É claro que para Hobbes, a iminência do ataque independe de uma ação anterior, como a vingança, p. ex., ela é natural em um estado de natureza, onde a vida é bruta e curta.
No entanto, o homem sabe que age em sua defesa, e o que está sendo atacado, faria a mesma coisa, em circunstâncias semelhantes. O que os difere aqui é justamente a antecipação, porém, o ataque em si, é razoável e esperado por ambos.
No Direito Penal brasileiro, é pacifico que aquele que pratica legítima defesa precisa agir com vontade de se defender e tendo ciência da excludente de antijuridicidade de sua conduta. Ou seja, ele tem ciência que age em legítima defesa (essa ciência é dispensada no caso do fato típico).
Outro tema importante é sobre a ficção jurídica de que todos conhecem a lei e não podem valer-se de seu desconhecimento para descumpri-la. Além de ser uma norma geral de direito, ela é prevista expressamente no Código Penal.
O conhecimento e o cumprimento da lei estão alinhados, portanto. Noutras palavras, a lei deve ser cumprida e o seu conhecimento é tido por todos, sem exceção.
A ideia de contrato em Hobbes, em que todos os homens, racionalmente, abrem mão de parcela de suas liberdades (em seu estado natural eles podem tudo), e elegem um soberano, para que garanta a paz e a segurança de todos, erigindo um Estado Civil, e podendo descumprir tal contrato, caso o rei não o cumpra.
Há um controle do cumprimento do contrato por ambas as partes, lembrando que a principal razão para ele ter sido firmado é justamente a defesa da liberdade de todos. A vida bruta e curta passa a ser protegida pelo soberano e assim é possível o gozo da paz.
Quando a atuação do rei ameaça a razão de ser do contrato, é razoável que o homem o descumpra, a fim de proteger seu corpo (integridade física e vida) e sua liberdade.
Se todos os homens precisam cumprir o contrato, ainda que não estivessem presentes no momento de sua celebração, todos eles têm legitimidade para fiscalizar o seu cumprimento, inclusive por parte do soberano.
Essa posição de Hobbes não foi bem aceita em sua época, e, nos nossos dias, ela também não o é, ainda que sob outro ponto de vista.
O respeito à lei e o cumprimento do direito é uma garantia que se estende a todos, mesmo que essa visão não esteja explícita em Hobbes (em particular em o Leviatã), ela pode ser extraída. Se todos firmaram o contrato e devem cumpri-lo, inclusive o soberano, a ameaça à liberdade de qualquer homem, pode, em última análise, embaraçar a liberdade de todos.
Como o Direito Penal tem como escopo a proteção dos bens jurídicos mais essenciais, dentre eles a liberdade, as suas disposições, tipos penais, precisam ser claros e concisos, tendo em vista sua compreensão e cumprimento do mais símplice até o mais erudito dos homens.
Hobbes também comenta sobre o estado de necessidade, ao demonstrar que o medo é compatível com a liberdade. Ele cita o exemplo de alguém que atira seus bens ao mar com medo de que seu barco afunde. Ao voluntariamente se desfazer de suas coisas ele o faz por vontade própria, pois poderia não o fazer.
Essa escolha é compatível com a vontade de preservar a vida em detrimento de bens materiais, que são menos importantes. Essa valoração entre bens jurídicos vida x propriedade está harmonizada com o commodus discessus, a saída mais cômoda. Valoração inerente ao estado de necessidade.
É interessante também as menções que ele faz a Deus e as escrituras sagradas. Há trechos que são remissões diretas a bíblia, como é o caso de Mateus 11:12-13 que diz que “o Reino de Deus é tomado pela violência” e no original de o Leviatã “The Kingdom of God is gothen by violence”[1]
Há também a remissão direta a Mateus 7:12 “Assim, em tudo, façam os outros o que vocês querem que eles façam a vocês” e “Do no that to another whicth thou wouldest no have done to thyself[2]”, em Leviatã. O próprio título do livro – O Leviatã – é tirado do livro de Jó.
Além de tais remissões, ele fala sobre salvação (felicidade eterna), sobre a primazia da lei de frente a lei dos homens, fala sobre a criação de Deus e a cadeia contínua das causas, cuja primeira causa é a mão de Deus.
É intrigante que ele menciona Deus em sua obra sem se preocupar com a vetusta separação entre Deus e ciência. Ademais, vê-se que esse entendimento faz parte da construção e desenvolvimento de seu pensamento e obra, sem traduzir-se em algo irrelevante ou desprovido de ciência. É de se admirar que ele tenha sido considerado ateu.
É certo que sua obra não agradou o Parlamento, a Igreja e até mesmo o Rei, cuja obra veio justamente para ratificar a obediência a ele, sob outro ponto de vista senão a escolha de Deus. Ainda é muito mal compreendido, malgrado suas contribuições sejam significativas e surpreendentemente atuais (considerando que a obra foi escrita para o seu tempo).
[1]HOBBES, Thomas. Leviathan or the Mather, Forme & Power of a Commom-wealth Ecclesiasticall and Civill. London, printed for Andrew Crooke, at the Green Dragon in St. Pauls Church, 1651, pág. 89.
[2]HOBBES, 1951, pág. 97.
Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da AASP .
Paulo Augusto da Silva
Minibio
Mestrando em Função Social do Direito FADISP. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Toledo de Presidente Prudente.
Vanessa Regina Andreatta:
Minibio
Mestranda em Função Social do Direito (FADISP). Advogada. Membro da Comissão de Relações Internacionais da OAB/MG. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Direito Internacional e Política (NEPEDI) da UERJ.